Você Conhece os Benefícios da Psicoterapia?
A Psicanálise Contemporânea do Trauma Quando alguém busca reequilibrar o emocional, uma das primeiras soluções cogitadas é a psicoterapia. Mas você sabe como ela funciona
O artigo que apresentarei hoje é o Emotions in Depression: What Do We Really Know? (ROTTENBERG, 2017), que busca recapitular o conhecimento acerca das emoções na depressão até então, visto que esta é a doença mais incapacitante do mundo segundo a OMS. Uma primeira distinção importante é entre emoção e humor, sendo emoção definida como “reações agudas a ameaças ou oportunidades que alteram a experiência, comportamento e fisiologia”, já o humor é “um modo difuso de estar e sentir”.
A primeira questão que clareou os estudos acerca da emoção e depressão residiu na divisão dos estudos entre as reações emocionais e a tentativa de regulação emocional que todos fazemos, ou seja, os seres humanos estão sempre tentando controlar quais emoções eles sentirão e como elas irão se manifestar. Aqui está a grande questão: a depressão não é um problema de emoções, mas sim um problema na capacidade de regulação emocional!
A regulação emocional é um objeto de estudo bastante complexo, podemos ver um filme de terror e, embora estejamos assustados, podemos não querer demonstrar isso e permanecemos assim com uma face neutra. A regulação emocional, além disso, pode ser feita de maneira deliberada ou inconsciente, e também é alterada pelo contexto que estamos inseridos (onde nos permitimos ser vulneráveis por exemplo, ao lado de quem?).
Para o estudo das reações emocionais e suas regulações utilizamos três fontes distintas: o autorrelato, o comportamento observável e as reações fisiológicas.
O trabalho divide-se em dois eixos, reações emocionais e regulação emocional, e apresenta o que sabemos e o que ainda não sabemos sobre estes temas com relação à depressão.
Falemos, então, sobre a primeira parte: o que sabemos sobre a reação emocional na depressão?
A primeira hipótese era de que a anedonia indicaria uma diminuição de reações emocionais a estímulos positivos/que trariam felicidade, complementando esta ideia havia a hipótese de que o humor deprimido faria uma seleção para enfatizar os estímulos negativos, inclusive alimentando um ciclo vicioso onde o clima emocional de tristeza, conjuntamente com a maior atenção a estímulos negativos, confirmaria os esquemas de tristeza do indivíduo (“veja só como realmente a vida é ruim!”)
Contra isso não havia nenhum resultado experimental que confirmasse tal hipótese, pelo contrário: as pessoas deprimidas demonstram menos respostas diferenciais a estímulos negativos e um aumento menor de tristeza quando expostos a estímulos negativos (um filme triste deixa uma pessoa normal mais triste do que uma pessoa deprimida ficaria), inclusive quando usamos a métrica de choro. Na verdade o que os estudos apontavam era uma reatividade menor tanto para estímulos positivos quanto negativos, levando a uma nova hipótese chamada de insensibilidade contextual das emoções, ou seja, que as pessoas deprimidas se tornam incapazes de responder adequadamente aos estímulos, sejam positivos ou negativos.
Vemos como essa hipótese se alinha com as descrições clássicas da depressão, como sentimento de vazio, indiferença a tudo, sentimentos de não mais existir!
Decorrentes desta hipótese três outros constructos foram postulados e positivamente relacionados com a depressão: inércia emocional, ou seja, a dificuldade de alterar estados emocionais frente a novos estímulos (o deprimido tende a ficar mais tempo na mesma emoção que uma pessoa normal), diferenciação emocional, ou seja, a capacidade de perceber e relatar emoções distintas (uma pessoa deprimida não consegue diferenciar suficientemente seu sentimento de tristeza acompanhado de raiva, por exemplo) e densidade da rede emocional que abrange a capacidade de predizer emoções futuras com base nas reações anteriores nesta mesma categoria (os deprimidos “puxam” várias emoções juntas quando sentem um estímulo que seria para apenas uma delas).
A segunda parte é: o que não sabemos sobre a reação emocional na depressão?
Existe um conjunto de estudos que mostram uma redução maior dos estados afetivos negativos em pessoas deprimidas depois que elas tem um evento positivo do que na população normal, isso é contraintuitivo e não temos nenhuma teoria que explique isso, por outro lado, eventos positivos são relativamente raros na vida das pessoas com depressão.
Outra área ainda pouco explorada se dá acerca das particularidades sociodemográficas como gênero e etnia ou ainda sobre as particularidades clínicas do episódio (momento da vida, gravidade do quadro etc). Soma-se a isso a falta de estudos que possam retratar as emoções numa “depressão pura”, dada a alta taxa de comorbidades presentes na depressão; nesta questão um dos poucos estudos concluiu que as pessoas que apresentam depressão com ansiedade manifestam o padrão de insensibilidade contextual das emoções, enquanto aquelas com ansiedade não tem esse funcionamento.
Mas a defasagem mais importante se dá nos estudos acerca do tratamento farmacológico da depressão e seus impactos nas emoções, ou seja, não temos ainda estudos que mostrem a reação emocional a estímulos positivos e negativos antes e depois dos tratamentos farmacológicos, e como isso afeta o curso da doença.
No terceiro momento do artigo temos uma revisão acerca do que sabemos sobre a regulação emocional na depressão.
Embora evidentemente já exista alguma tentativa de regulação emocional da reação emocional (como falamos, as pessoas podem exagerar ou disfarçar uma emoção), tem se mostrado relevante isolar as duas rotas, pois uma pessoa pode estar com um humor deprimido por reação emocional (a perspectiva da morte de alguém querido, por exemplo) ou pela regulação emocional (por estar triste tende a se afastar de atividades que poderiam deixá-la mais feliz).
Um ponto de partida importante é a perspectiva das próprias pessoas deprimidas ou com vulnerabilidades nesta área, elas frequentemente relatam que não conseguem controlar seu humor e emoções, descrevendo uma incapacidade de sair do estado de anestesia psíquica e vazio interno, não entendendo como surgem estes estados nem mostrando muita esperança de que consigam alterá-los.
Neste caminho podemos tentar entender as estratégias de regulação emocional utilizadas por deprimidos e mostrar quão ineficazes elas são, ou até como elas retroalimentam e fortalecem a depressão (através de testes de autodescrição antes e depois da utilização da estratégia). A primeira delas é a ruminação: ficar repassando os eventos de novo e de novo está associado a estados de tristeza crescentes em diversos estudos! O mais curioso é que as pessoas deprimidas não estão cientes deste fato, e tendem a atribuir inclusive benefícios para a prática, como um aumento de insights, ou seja, acreditam que via ruminação teriam de uma visão mais aprofundada do problema. Nas estratégias eficazes está a reavaliação (uma reinterpretação da realidade para alterar sua significação e, logo, seu impacto no humor ou na emoção), de modo moderado está a aceitação (pouco utilizada por depressivos), já as piores são a evitação (moderadamente utilizada por depressivos) e a supressão (muito utilizada por deprimidos).
Entretanto, as autodescrições não são o meio mais confiável para medirmos o estado mental e a eficácia das estratégias, principalmente pelo fato dos deprimidos já terem um viés negativo na avaliação de seu humor de maneira geral, portanto faz-se necessário avaliar por outras vias, principalmente aquelas de laboratório. E é aí que as coisas ficam mais confusas pois, em laboratório, as pessoas deprimidas não desempenham pior que as não deprimidas, elas conseguem o mesmo nível de desempenho que as demais utilizando as estratégias apontadas (e adicionando a utilização de uma memória feliz para contrabalancear o humor deprimido), mas sobre isso ainda não temos conclusões: ou as pessoas deprimidas possuem capacidades equivalentes e apenas não acreditam possuí-las, ou os testes de laboratório isolam diversos elementos que, na vida real, fazem muita diferença para a regulação emocional.
Finalizando o artigo, recapitulamos o que sabemos e não sabemos até agora:
Pessoas deprimidas (a) relatam o uso de estratégias de regulação emocional desadaptativas em uma extensão considerável, (b) percebem-se como inferiores em sua capacidade de autorregular emoções e (c) mostram diferenças persistentes em algumas estratégias desadaptativas de regulação emocional.
Outro ponto importante é que devemos abandonar o estudo isolado das estratégias de regulação emocional (embora a ruminação, ao que tudo indica, seja frequentemente deprimente para o sujeito): na verdade devemos avaliar cada estratégia em relação ao seu contexto, ou seja, o principal é que o sujeito tenha uma certa flexibilidade na utilização de tais estratégias para ocorrerem no tempo, lugar e duração correta. E aí é que nós, psicoterapeutas, entramos!
Devemos avaliar qual o repertório de regulação emocional o paciente já possui, será que ele precisa que apresentemos novos caminhos? Como essa pessoa escolhe qual estratégia usar em qual situação? A depressão pode causar avaliações incorretas do ambiente e de si mesmo, portanto podemos ajudar neste ponto também. Como uma pessoa deprimida avalia o sucesso ou fracasso de uma estratégia? Lembremos que alguns acham benéfica a suposta profundidade alcançada com a ruminação, mas esse seria de fato um bom critério?
Espero que a apresentação deste artigo traga algum esclarecimento acerca da depressão e do surgimento e regulação do humor e das emoções, de modo que terapeutas possam auxiliar melhor seus pacientes e, talvez, os próprios pacientes ou seus amigos entendam melhor suas condições e pensem acerca do melhor caminho para o equilíbrio.
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